202102.08
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Faixa de APP em área urbana

Marcos Delavi

A discussão travada no âmbito dos Tribunais em relação à fração não edificável a partir das margens de curso d´água em áreas urbanas consolidadas vem trazendo grande insegurança jurídica entre os detentores de direitos reais sobre esses imóveis, havendo, inclusive, diversas ordens de demolição já cumpridas.

Isso porque a questão central da divergência cinge-se à aplicação da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, que prevê um recuo de 15 metros da margem, ou do Código Florestal, que determina um afastamento que varia de 30 a 500 metros.

Em 2019, na ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.770.760, interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina, o Superior Tribunal de Justiça afetou o processo ao rito dos recursos especiais (Tema 1010), determinando a suspensão de todos os processos que tratem da matéria em todo o território nacional.

O aludido processo foi finalmente pautado para julgamento, aprazado para o dia 10 de fevereiro de 2021, gerando grande expectativa entre proprietários de imóveis e profissionais da construção civil, porquanto a aludida decisão servirá como paradigma ao Poder Judiciário e aos órgãos ambientais fiscalizadores.

Contudo, paralelamente à controvérsia da aplicação das aludidas leis em abstrato, o Tribunal de Justiça catarinense tem mitigado o rigor do recuo legalmente estabelecido de acordo com o caso concreto apresentado, sopesando os direitos e garantias aplicáveis à espécie, amparado em critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Recentemente a Segunda Câmara de Direito Público dirimiu situação de impasse entre dois direitos constitucionais ao meio ambiente e à propriedade, permitindo a manutenção de construção dentro da faixa de 30 metros em hipótese em que várias edificações avançam sobre a faixa marginal do curso d’água em toda vizinhança, apresentando uma situação já consolidada, ou seja, irreversível.

Na oportunidade, os julgadores enumeraram requisitos para, excepcionalmente, convalidar construções dentro da faixa de APP em curso d’água, a saber a) perda das funções ecológicas inerentes às faixas marginais de curso d’água;  b) irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da faixa marginal; c) irrelevância, nesse contexto, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância do recuo em relação às novas obras; d) ausência de alternativa técnica ou locacional para a execução da obra (via de regra, em virtude da extensão reduzida dos lotes); e) prevalência do princípio da isonomia de tratamento em relação ao exercício do direito de propriedade (Apelação Cível n. 5008808-82.2019.8.24.0038/SC).

Independentemente do resultado do tão aguardado julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça, é nítida a tendência de que os Tribunais continuarão a julgar a questão da ocupação de faixa não edificável em área urbana já consolidada de acordo com as peculiaridades apresentadas pelo caso concreto.