201401.28
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Conexão SC/SP: O IPTU

Ivo MüllerIvo Müller mullerivo@yahoo.com

Amigo que já acompanha a coluna, amigo turista que resolveu dar uma olhada no jornal da terrinha. Não importa onde você mora, o imóvel que possui ou aluga deve ter valorizado um bocado nos últimos anos. Florianópolis e São Paulo estão entre as cidades com os imóveis mais caros do país e as prefeituras buscaram atualizar os cadastros municipais para arrecadar ainda mais. Logo chega o carnê do IPTU com aquela surpresa!

Na semana passada, o presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, cassou a liminar que impedia o aumento do IPTU em Florianópolis. Decisão antagônica à proferida pelo mesmo STF no final do ano passado, quando o ministro Joaquim Barbosa decidiu contra o reajuste proposto pela prefeitura de São Paulo. A nova cobrança na capital paulista foi barrada, enquanto em Floripa foi liberada. Debati o tema com o advogado, mestre em Direito Tributário e professor da Unisul Vicente Capella.

Por que essas decisões caminharam em direções opostas?
Nos dois processos discute-se o princípio constitucional que impede a cobrança de tributos além do razoável. As decisões apontam para soluções opostas, pois foram dadas por ministros diferentes. No processo de São Paulo o ministro Joaquim Barbosa destacou que o maior risco com a cobrança ilegal era dos contribuintes e, para protegê-los, a cobrança majorada deveria ser suspensa. O recurso relativo ao IPTU de Florianópolis foi analisado pelo ministro Ricardo Lewandowski que, por sua vez, disse que o maior risco era da prefeitura, ao deixar de arrecadar R$ 90 milhões. Assim, liberou o aumento do tributo na Capital catarinense. As duas decisões são provisórias e dependem de uma análise dos demais ministros do STF. Ou seja, ao final o rumo dos processos deve ser o mesmo. Os outros ministros terão que responder o que é razoável para o aumento do IPTU. Questão subjetiva, quase de foro íntimo. Até hoje o Supremo não definiu, de forma clara e objetiva, quando um tributo é confiscatório.

Foro íntimo? Não que isso justifique qualquer aumento, mas vamos lembrar que o IPTU é um imposto com uma função social, com poder de equilibrar a distribuição da renda.
O que é razoável para uma pessoa talvez não seja para outra. Essa diferença de entendimento envolve das decisões do STF às brigas de vizinhos. Para auxiliar na definição do que é razoável em tributação, a Constituição indica que deve ser verificada a capacidade contributiva do cidadão. Ou seja, deve ser apurada se a pessoa de quem vai se cobrar o tributo tem condições para suportá-lo. Assim, antes de atender a função social do tributo é necessário verificar se o valor que se pretende exigir é adequado à realidade de quem vai pagar. Não denomina Robin Hood alguém que tira de um pobre para entregar a outro pobre. Antes de tudo é necessário ver se o indivíduo tem capacidade para arcar com a cobrança.

O ministro Lewandowski argumenta que se o município deixar de arrecadar o valor previsto com o aumento do IPTU haverá perdas à coletividade. Mas se somos um dos países com a maior carga tributária no mundo, parece que a precariedade dos serviços públicos como saúde, acesso à cultura e educação não está ligada à falta de recursos, está?
Saltamos de uma arrecadação de 20,28% do PIB em 1987 para 36,27% em 2012. Apesar do aumento, continuamos falando em saneamento básico. Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico (SNIS), 54% da população brasileira ainda não possui qualquer sistema de coleta de esgoto, mesmo problema existente quando a carga tributária era 50% menor. Apenas para se ter noção do que representa a carga tributária na vida do cidadão brasileiro, basta imaginar um sujeito que nasceu hoje, com 25 anos, sem nenhuma herança ou regalia. Nessa hora ele se sente aliviado de não ter herdado nada, 7% de imposto sobre a herança (ITCMD) seria doloroso. Com um quarto de século começando do zero, vamos supor que ele não precisa se alimentar, se vestir ou gastar com transporte ou alimentação. Todos seus recursos serão direcionados ao sonho da casa própria. O salário de R$ 3 mil, acumulado por 10 anos de trabalho, totaliza R$ 360 mil, mas dessa fatia a Receita ficou com R$ 99 mil (27,5%). Recalculando seu sonho, procura imóveis mais baratos com o saldo de R$ 261 mil. Nesse momento é alertado que deve reservar 3% (R$ 7.830) para o Imposto sobre Transferência de bens Imóveis (ITBI), outros R$ 980 para as taxas da escritura, mais R$ 980 para o registro de imóveis e 0,3% para o Fundo de Reaparelhamento do Judiciário. Incrédulo, se pergunta se o Judiciário merece. Ainda desconsertado pega seu ábaco e vê o saldo disponível cair para pouco mais de R$ 250 mil. Ao ouvir que o IPTU sobre a futura casa seria de 2% do valor do imóvel (R$ 5 mil) pago anualmente, é provável que ele desista de tudo e invada um terreno na SC-401 para lutar pela reforma agrária. Ops, tributária!

Texto publicado no Diário Catarinense de 28/01/2014.

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