O setor industrial do Estado de Santa Catarina está acompanhando com apreensão os rumos da política fiscal nos últimos meses. Enquanto o Governo instituiu o “Recupera Mais” como o programa mais benéfico já lançado de pagamento de tributos em atraso, promove questionáveis ações fiscais de aproveitamento de créditos de ICMS nas empresas catarinenses.

A fiscalização estadual tem verificado de perto o aproveitamento dos créditos de ICMS decorrentes da aquisição de produtos intermediários, que nada mais são do que materiais essenciais para a fabricação do bem a ser comercializados e consumidos no processo industrial. O creditamento realizado pelas empresas vem sendo questionado sob o argumento de que os produtos intermediários, para gerarem crédito, devem ser consumidos integralmente no processo produtivo ou se incorporarem ao produto final. Destas fiscalizações resultam notificações cobrando o ICMS dos últimos 5 (cinco) anos que deixou de ser recolhido pelo uso dos créditos considerados indevidos.

O direito ao crédito de ICMS, inclusive na aquisição dos produtos intermediários, está previsto no artigo 20 da Lei Kandir: “Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.”

Contudo, o creditamento dos produtos intermediários, no entender da Fazenda Estadual embasado no artigo 31 do Convênio ICM 66/88, estaria sujeito à integração física ao produto final, ou ao consumo imediato no processo de produção.

A matéria enfrentou longo debate no âmbito do Poder Judiciário. Na busca pela uniformização das decisões o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em julgamento de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), fixou a seguinte tese:

O CREDITAMENTO DO ICMS INCIDENTE SOBRE A AQUISIÇÃO DE PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS EMPREGADOS NO PROCESSO PRODUTIVO, NA VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR N. 87/96, DEPENDE DA COMPROVAÇÃO DE SEU CONSUMO IMEDIATO E INTEGRAL, ALÉM DE SUA INTEGRAÇÃO FÍSICA AO PRODUTO FINAL.

O acórdão está embasado em decisões do Supremo Tribunal Federal que, com fundamento no artigo 155, §2º, I, da CF/88, já se posicionou no sentido de que o creditamento do ICMS na aquisição de produtos intermediários depende de “prova de que tais materiais são consumidos de forma imediata e integral, além de que se integrem fisicamente à mercadoria, resultado do processo produtivo.” Do resultado do julgamento foram interpostos Recursos Extraordinários pelos contribuintes, os quais atualmente aguardam análise pelo STF.

Nesse ínterim, o Superior Tribunal de Justiça definiu que é legítimo e cabível tomar o crédito de ICMS decorrente da aquisição de insumos, “desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa”. A decisão foi proferida em Embargos de Divergência (EAREsp 1.775.781/SP) e pacificou o entendimento da 1ª e 2ª Turmas de Direito Público do Tribunal. Desta decisão a Fazenda Estadual interpôs Recurso Extraordinário, que aguarda análise da admissibilidade.

A disputa entre o crédito físico ou financeiro dos materiais intermediários parece caminhar para os capítulos finais. O debate, porém, não está encerrado. Menos ainda no Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Após julgamento do EAREsp 1.775.781/SP no STJ, o Tribunal Catarinense já reviu o posicionamento anterior para reconhecer o direito ao crédito de produtos intermediários relacionados à atividade fim da empresa e consumidos gradativamente no processo produtivo. Contudo, também julgou recurso de apelação reafirmando o entendimento fixado no IRDR 10, demonstrando que a matéria ainda não se encontra pacificada.

As empresas notificadas pela Fazenda Estadual, por terem se creditado do ICMS pago na aquisição de materiais empregados nas suas atividades-fim, devem promover a defesa de seus direitos tanto na esfera administrativa quanto judicial. A busca ao Judiciário justifica-se, inclusive, preventivamente, diante da insegurança jurídica que ainda persiste.

O mais benéfico programa de recuperação fiscal para as empresas foi importante neste momento de dificuldade econômica, mas a instituição de uma estrutura de arrecadação justa e duradoura, sem as incertezas jurídicas enfrentadas como visto acima, traduz-se no ideal a ser perseguido e implementado no Estado de Santa Catarina.

Anderson
Suzin

Advogado
Tributarista

Patricia Fogaça
Patricia
Fogaça

Advogada Tributarista