Quando um estrangeiro é considerando residente-fiscal no Brasil? Quando um brasileiro deixa de ser residente-fiscal no Brasil?

A tributação da renda da pessoa física por diferentes países é um assunto complexo. Sempre que dois países estiverem envolvidos, existirá a possibilidade de uma dupla tributação. Em princípio, cada jurisdição busca tributar a maior quantidade possível de pessoas para arrecadar o maior volume de recursos.

O assunto é relevante para um grande grupo de pessoas. Em 2022 eram mais de 4 milhões de brasileiros vivendo no exterior. No mesmo ano, o Brasil emitiu mais de 90 mil vistos para estrangeiros.  

O Brasil adota o princípio da universalidade da tributação (world-wide income taxation). Assim, será devido imposto de renda aqui, como regra, quando houver um dos seguintes elementos de conexão:

·                a pessoa residir no Brasil; ou, quando

·                os rendimentos forem originados no Brasil.

Havendo simultaneamente as duas hipóteses (residência e fonte dos recursos no Brasil), a situação cai na regra geral da imensa maioria dos contribuintes brasileiros e o Brasil será competente para a tributação.

No entanto, o cenário torna-se mais complexo quando alguém reside no exterior e tem seus rendimentos originados no Brasil. Ou o contrário, reside no Brasil, mas recebe rendimentos do aluguel de um imóvel situado no exterior. Nessas situações, o Brasil e o outro país podem se considerar competentes para tributar os rendimentos.

Fica evidente a importância de entender se determinada pessoa é considerada residente para fins fiscais no Brasil. Sendo residente fiscal no Brasil, deve entregar a declaração de imposto de renda aqui e oferecer à tributação todas as suas rendas, independente do país da origem do rendimento (caput do art. 2º da IN nº 2178/2024 combinado com os arts. 19 e 20, II, da Instrução Normativa SRF nº 208/2002).

É possível que as situações concretas e as legislações internas dos países levem à conclusão de uma residência-fiscal simultânea (dupla ou múltiplas), com as respectivas consequências em cada local. Apenas quando os países envolvidos forem signatários de Acordo para evitar a bitributação haverá o desempate, com a definição de um único local de residência-fiscal.

O presente texto trata das situações gerais previstas na legislação brasileira, partindo das Leis e não da Instrução Normativa editada pela Receita Federal. Mas, essa regras legais podem ser totalmente alteradas por acordos internacionais específicos (veja a relação de acordos firmados pelo Brasil para evitar a dupla tributação). Por isso, as informações deste texto não substituem a análise do caso concreto por um advogado com experiência na área tributária.

  

Quando um estrangeiro é considerando residente-fiscal no Brasil?

O momento em que o estrangeiro será considerado residente fiscal no Brasil é extremamente relevante pois definirá o marco temporal a partir do qual ele deverá oferecer seus rendimentos à tributação na Declaração de Imposto de Renda Pessoas Físicas (Receita Federal do Brasil), mesmo aqueles recebidos no exterior.

O Decreto-Lei nº 5.844/43 (art. 61) afirma que o momento será quando as pessoas “transferirem residência para o território nacional”, mas essa previsão é subjetiva. A evolução legislativa, trazida pela Lei nº 9.718/98 (art, 12, inciso I, “b”), oferece critérios mais objetivos relacionado ao tipo de visto, “documento que dá a seu titular expectativa de ingresso em território nacional” (art. 6º da Lei nº 13.445/2017), que o estrangeiro possui.

O art. 2º da Instrução Normativa SRF nº 208/2002 consolida parte das hipóteses em que estrangeiro é considerado residente-fiscal no Brasil:   

·   Com visto permanente, desde a data de sua chegada no Brasil;

·  Com visto temporário para trabalhar (vínculo empregatício), desde a data de sua chegada no Brasil;

·    Com visto temporário por qualquer outro motivo, após 183 dias no Brasil, consecutivos ou não, contados, dentro de um intervalo de doze meses;

 

Ainda existem outras duas possibilidades para o estrangeiro:

 ·       Entrada no Brasil sem visto (art. 43, I da Lei nº 13.445/2017)

·   Entrada no Brasil com autorização de residência (art. 30 e seguintes da Lei nº 13.445/2017)

Essas duas questões são controvertidas. A primeira relacionada ao “visto permanente”, mencionado na Lei nº 9.718/98 (art, 12, inciso I, “b”) e repetido na Instrução Normativa da Receita Federal nº 208/2002 (art. 2º, I, b). A “Lei de Migração” (art. 124,II, da Lei nº 13.445/2017) não traz mais a figura do “visto permanente” e revogou a Lei nº 6.815/1980, que previa o visto permanente (art. 4, IV). Assim, resta saber se a “autorização de residência”, atualmente prevista na Lei de Imigração, pode equivaler ao “visto permanente” mencionado na legislação tributária. Quando a legislação tributária se utiliza de um instituto de direito regulado por outro campo, como nas questões de imigração, ela está sujeita às alterações desta definição, tal qual ocorre em direito privado (art. 109 do Código Tributário Nacional). No entanto, apesar de desconhecemos resposta de consulta fiscal nesse sentido, é possível que a Administração Tributária Federal busque equiparar o “visto permanente” com a “autorização de residência”. A certeza sobre o tratamento da “autorização de residência” dependerá de uma consulta a Receita Federal ou de uma manifestação do Poder Judiciário. A ausência de previsão expressa na hipótese de “visto de residência” pode atrair a regra mais abrangente de que os estrangeiros se tornam residentes fiscais no país quando permaneçam  no território nacional por mais de doze meses (art. 97, c, do Decreto-Lei nº 5.844/43).

A segunda controvérsia está relacionada ao ingresso no Brasil de estrangeiro que “não possua visto”. A Lei de Imigração prevê essa possibilidade e prevê que “Poderá ser autorizada a admissão excepcional no País” (art. 40, I da Lei nº 13.445/2017). A norma não equipara expressamente a referida autorização ao visto. A inaplicabilidade das hipóteses de existência de visto (art. 12 da Lei nº 9.718/98) parece, também, atrair a regra geral que prevê o tratamento como não-residente fiscal ao estrangeiro que permaneça “no território nacional por menos de doze meses” (art. 97, c, do Decreto-Lei nº 5.844/43). Assim, o estrangeiro que ingressa no Brasil sem visto ou com “autorização de residência” passaria à condição de residente fiscal após 12 meses no país. Do mesmo modo, a segurança no tratamento dessa hipótese dependerá de uma manifestação no caso concreto por parte da Receita Federal ou do Poder Judiciário.

O tema é árduo e comporta diversas questões relacionadas às previsões legais e infralegais. Assim, deve-se ter em mente a necessidade da análise do caso concreto por um advogado especialista na área tributária, preferencialmente, com experiência nas questões relacionadas à residência fiscal no Brasil.

Quando um brasileiro deixa de ser residente-fiscal no Brasil?

Os brasileiros deixam de ser considerados residentes-fiscal no Brasil quando “se retirarem em caráter definitivo do território nacional no decorrer de um exercício financeiro” (art. 17 da Lei nº 3.470/58). Inexistindo o ânimo definitivo (caráter temporário), os brasileiros “residentes no país que estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses” passarão a condição de não-residente fiscal após tal período (art. 97, b, do Decreto-Lei nº 5.844/43).

No entanto, o ânimo do brasileiro (em caráter definito ou temporário), no momento da saída do Brasil, é subjetivo. A Instrução Normativa da Receita Federal parte da manifestação de vontade do brasileiro sobre o caráter de sua saída do Brasil. Quando a saída for “caráter permanente” ele deverá manifestá-la na “Comunicação de Saída Definitiva do País” (art. 11-A, I da IN SRF nº 208/2002). Feita tal comunicação no site da Receita Federal, no prazo exigido, a data da viagem de saída será quando o brasileiro tornar-se-á não-residente fiscal.

Por sua vez, aqueles brasileiros que não manifestarem seu desejo, ou seja, não apresentarem a “Comunicação de Saída Definitiva do País”, estarão sujeitos à regra distinta. No caso da saída em caráter temporário (não “definitiva”), os brasileiros perderão a condição de residentes, passando a não-residentes fiscais, quando “estiverem ausentes no exterior por mais de doze meses” (art. 97, “b”, do  Decreto-Lei nº 5.844/43 c/c art. 2º, V da IN SRF nº 208/2002). Superado tal prazo a saída em caráter temporário converte-se em caráter definitivo, quando deverá ser enviada a respectiva “Comunicação de Saída Definitiva do País” (art. 11-A, II).

Entendemos que tal manifestação tem força de presunção relativa. Ou seja, salvo prova em contrário, deve-se tomar a entrega da “Comunicação de Saída Definitiva do País” como suficiente para caracterizar a condição de não-residente fiscal para o brasileiro. No entanto, a manifestação de intenção de retirada do país em caráter definitivo pode ser afastada quando o agente fiscal demonstrar que as situações concretas da vida dessa pessoa contrariam tal manifestação.

Por fim, dois destaques. Independente do tempo de permanência e da vontade/ânimo, a pessoa física brasileira que estiver no exterior “para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior” continua a ser considerada residente fiscal no Brasil (art. 73 do Decreto-Lei nº 5.844/43 combinado com o art. 2º, I, da Instrução Normativa da Receita Federal nº 208/2002).

A segunda ressalva está ligada à “transferência do domicílio fiscal da pessoa física residente e domiciliada no Brasil para país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado”. A Lei nº 12.249/2010 previu requisitos e marcos distintos para a mudança de residência fiscal do Brasil para um paraíso fiscal, situação que merecerá análise específica.